quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A ORIGEM DO POSITIVISMO E A TRADIÇÃO FRANCESA: COMTE




  Como ressalta Giddens (1978:318-19), devemos a Auguste Comte (1798-1857) os termos "positivismo" e "sociologia" e, naturalmente, a idéia de que "o advento da Sociologia deveria marcar o triunfo final do positivismo no pensamento humano". Ele também nos lembra que coube a Émile Durkheim (1858-1917) "ligar intimamente a estrutura lógica", estabelecida por Comte já em seus Cursos de Filosofia Positiva, "ao funcionalismo moderno", ampliando a concepção de que a Sociologia seria uma "ciência natural da sociedade". Daí decorre, em larga escala, a importância dos dois em qualquer exposição acerca do positivismo. Assim, esta primeira seção, dedicada à tradição francesa, está baseada, por um lado, nas obras de Comte: Curso de Filosofia Positiva, escrito entre 1830 e 1842 + ao qual, em trabalhos posteriores, ele se referia substituindo o termo Curso por Sistema; Discurso sobre o Espírito Positivo, de 1844; e Discurso Preliminar sobre o Conjunto do Positivismo, de 1848. Por outro lado, de Durkheim utilizo As Regras do Método Sociológico, publicado originalmente em 1895, em especial os capítulos onde ele explicita e discute sua concepção de "fato social" e as "regras" para sua observação, que, no meu entendimento, são centrais para a melhor compreensão do método sociológico. De forma adicional, utilizo também os prefácios às duas primeiras edições do livro, onde ele defende o método das críticas de então. Para tanto, foi frutífera a leitura de Aron (1982:297-75), que fornece um valioso guia para o estudo daquela obra.

O positivismo Comteano
De modo geral, considera-se que há, no positivismo Comteano, pelo menos, três temas básicos, os quais servem de moldura para explicar o que Comte define como "a verdadeira natureza e o caráter próprio da filosofia positiva". O primeiro está relacionado com a formulação de uma filosofia da história, onde já se encontram os princípios do positivismo; em seguida, aparecem a formulação e a classificação das ciências, que, baseadas naqueles princípios, servem para estabelecer uma hierarquia entre as ciências; e, finalmente, a sociologia positivista, quando ele desenvolve os elementos da nova e definitiva ciência e advoga a reorganização da sociedade e das instituições visando à restauração da ordem e à busca do progresso (cf. Halfpenny, 1982:13-26).
 Inicialmente, a filosofia da história, de Comte, pode ser resumida na sua conhecida lei dos três estágios, que correspondem às três fases distintas percorridas pelo desenvolvimento do conhecimento e do pensamento ou espírito humano. Comte acreditava ter descoberto "uma grande lei fundamental" a partir de seus estudos sobre "o desenvolvimento total da inteligência humana em suas diversas esferas de atividade". Assim, cada um dos três estágios de sua lei tem características próprias e peculiares, até mesmo opostas entre si. Os três estágios são os seguintes: (a) o teológico ou fictício, que tem, como mostrarei adiante, também três fases distintas; (b) o metafísico ou abstrato, que corresponde apenas a uma fase transitória entre o estágio anterior e o próximo; e (c) o positivo ou científico, o estágio definitivo da razão humana.
 O primeiro deles, o teológico, é o estágio primitivo, "provisório e preparatório", onde os fenômenos são explicados através da ação direta e contínua de agentes sobrenaturais, como deuses e espíritos, a quem são creditadas todas as anomalias; as observações dos fenômenos são em número reduzido, o que faz com que a imaginação ocupe o papel mais relevante; as especulações são dirigidas para a resolução de problemas insolúveis e inacessíveis; nele, o espírito humano busca, enfim, a origem de todas as coisas, as causas essenciais; e o homem imagina ter uma compreensão absoluta do mundo. O estágio teológico está dividido também em três etapas principais: a mais remota, que corresponde ao fetichismo; a intermediária, ao politeísmo; e a última, que é a fase de transição ao estágio metafísico, é chamada de monoteísmo.
O segundo estágio é o metafísico. Nele, os fenômenos são explicados por meio de forças ou entidades ocultas e abstratas, e não mais por agentes sobrenaturais; e o abstrato ocupa o lugar do concreto, e a argumentação, o da especulação. Essa fase é apenas transitória. Assim, o espírito humano chega ao terceiro, último e definitivo estágio, o positivo, onde os fenômenos são explicados a partir de leis demonstradas experimentalmente, o que faz com que se renuncie à busca das explicações absolutas, da origem e da finalidade do mundo e das causas primeiras dos fenômenos. Aqui, já são introduzidas duas noções caras ao sistema positivo de Comte, isto é, a observação e a experimentação, próprias do conhecimento científico, que subordinam a imaginação e a especulação até então predominantes.
Para Comte, então, todas as formas de conhecimento passaram pelos dois primeiros estágios e vieram a se constituir definitivamente no último. Ademais, as sociedades evoluem de acordo com aquela "grande lei fundamental", assim como os indivíduos. Comte refere-se, por exemplo, à infância como nosso estágio teológico; à juventude como o metafísico; e à idade adulta como o físico.
 Mas, a esta altura é bom indagar em que sentido Comte usa a expressão filosofia positiva. Pelo que se apreende até aqui, pode-se dizer o seguinte: Comte adota o termo filosofia para designar o sistema geral do conhecimento humano, e usa o adjetivo positiva para contrapor + segundo algumas palavras usadas por ele próprio + o real à imaginação, o útil ao inútil, a ordem à insegurança, o preciso ao vago, o relativo ao absoluto, a observação e a experimentação à especulação.
 Ademais, para Comte, o caráter fundamental da filosofia positiva é tomar todos os fenômenos como sujeitos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta precisa e cuja redução ao menor número possível constituem o objetivo de todos os nossos esforços, considerando como absolutamente inacessíveis e vazia de sentido para nós a investigação das chamadas causas, sejam elas primeiras, sejam finais. [...] Pretendemos somente analisar com exatidão as circunstâncias de sua produção e vinculá-las umas às outras, mediante relações normais de sucessão e de similitude ([Curso de Filosofia Positiva, 1830-42] 1983:5).
Como se vê, apesar de ressaltar que o objetivo científico não é o de buscar causas iniciais e finais, Comte não deixa de admitir a explicação causal na medida em que está preocupado com as "relações normais de sucessão e similitude". Quanto ao método e sua relação com a teoria, Comte firma assim suas bases particulares do empiricismo:
[...] de um lado toda teoria positiva deve necessariamente fundar-se sobre observações, [mas] é inegavelmente perceptível, de outro, que, para entregar-se à observação, nosso espírito precisa duma teoria qualquer. Se, contemplando os fenômenos, não os vinculássemos de imediato a algum princípio, não apenas nos seria impossível combinar essas observações isoladas e, por conseguinte, tirar daí algum fruto, mas seríamos inteiramente incapazes de retê-los; no mais das vezes, os fatos passariam despercebidos aos nossos olhos (idem).
 Já com respeito à relação entre ciência e o método (geral) positivo, e à importância do estudo deste último, talvez possa resumir sua concepção com as citações seguintes:
Numa ciência qualquer, tudo o que é simplesmente conjetural é apenas mais ou menos provável, não está aí seu domínio essencial; tudo o que é positivo, isto é, fundado em fatos bem constatados, é certo [...]. [À] impossibilidade de conhecer o método positivo separadamente de seu emprego, devemos acrescentar [...] que não podemos fazer dele uma idéia nítida e exata a não ser estudando, sucessivamente e na ordem conveniente, sua aplicação a todas as diversas classes principais de fenômenos naturais. Porquanto, embora o método seja essencialmente o mesmo em todas, cada ciência desenvolve especialmente este ou aquele de seus procedimentos característicos, cuja influência, muito pouco pronunciada em outras ciências, passaria despercebida. Assim, por exemplo, em certos ramos da filosofia, é a observação propriamente dita; em outros, é a experiência, e esta ou aquela natureza de experiências, que constituem o principal meio de exploração (op. cit.:36-7).
A partir de tais princípios, chega-se ao segundo tema básico do pensamento Comteano, onde ele desenvolve sua formulação e classificação racional das ciências positivas fundamentais.
Inicialmente, Comte parte da premissa de que toda atividade humana é de natureza especulativa ou ativa. Daí resulta que a primeira divisão mais geral de nossos conhecimentos é teórica ou especulativa, de um lado, e prática ou empírica, de outro. Quanto à natureza das ciências naturais, tais conhecimentos devem ser distinguidos a partir dos tipos de fenômenos. Essa distinção coloca de um lado, as ciências abstratas + mais gerais, que objetivam a descoberta de leis + e de outro, as concretas + particulares, descritivas, que se destinam à aplicação de leis.
                Assim, Comte chega à idéia de que existem quatro categorias principais de fenômenos naturais, os astronômicos, os físicos, os químicos e os fisiológicos. Ele aponta ainda para a necessidade de desmembrar os fenômenos sociais dos fisiológicos, apesar da física social ainda não ter entrado no domínio da filosofia positiva. Com efeito, às categorias de fenômenos naturais apontados anteriormente, corresponderiam as ciências fundamentais, que Comte denomina de abstratas. Elas seriam: a astronomia, a física, a química e a fisiologia ou biologia. (No final da segunda lição de seu Curso de Filosofia Positiva, ele inclui a matemática, como a primeira, e a sociologia, como a última, ali ainda denominada de física social.) Tal classificação baseia-se em uma ordem lógica e cronológica, onde se admite a gradação do mais simples e abstrato para o mais complexo e concreto. Assim, enquanto, de uma extremidade, a astronomia observa os fenômenos mais gerais, simples, abstratos, afastados do homem, da outra, a sociologia volta-se para os mais particulares, mais complexos, concretos e próximos ao ser humano.
                O terceiro e último tema da sociologia de Comte está relacionado ao caráter reorganizador da sociedade e das instituições, pois ele via na filosofia positiva um instrumento para que o homem fosse reeducado para reorganizar as estruturas políticas e sociais visando à ordem (estática) e ao progresso (dinâmica) sociais.

Trecho do texto: POSITIVISMO, POSITIVISMOS - DA TRADIÇÃO FRANCESA AO POSITIVISMO INSTRUMENTAL de Túlio Velho Barreto. 



Próxima Aula - Filosofia Social

Estou enviando dois textos complementares a esta disciplia de filosofia social. Um texto da Iamamoto e outro da Yazbek.  Vocês devem escolher um dos dois textos e fazer um resumo simples (mínimo de uma lauda):
Texto 1
Texto 2

 Obrigada!!!

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Francis Bacon


Francis Bacon (1561-1626) seguindo a tradição empirista inglesa que remonta a Roger Bacon (século XIII) realça a significação histórica da ciência e do papel que ela poderia desempenhar na vida da humanidade. Seu lema "saber é poder", mostra como ele procura, bem no espírito da nova ciência, não um saber contemplativo e desinteressado, que não tenha um fim em si, mas um saber instrumental, que possibilite a dominação da natureza. Começa o ideal prometeico[1] da ciência. Daí o interesse pelo método da ciência. Na obra Novum Organum (no sentido de instrumento de pensamento), Bacon critica a lógica aristotélica, opondo ao ideal dedutivista, a eficiência da indução como método de descoberta.
Ele inicia pela denúncia dos preconceitos e noções falsas que dificultam a apreensão da realidade, aos quais chama de ídolo:
        Os ídolos da tribo "estão fundados na própria natureza humana, na própria tribo ou espécie humana. (...) Todas as percepções, tanto dos sentidos como da mente, guardam analogia com a natureza humana e não com o universo"[2]. Isso significa que muitos dos nossos enganos derivam da tendência ao antropomorfismo.
        Os ídolos da caverna "são os dos homens enquanto indivíduos. Pois, cada um-além das aberrações próprias da natureza em geral - tem uma caverna ou uma cova que intercepta e corrompe a luz da natureza; seja devido à natureza própria singular de cada um; seja devido à educação ou conversação com os outros".
        Os ídolos do foro são os provenientes, de certa forma, das relações estabelecidas entre os homens devido ao comércio. "Com efeito, os homens se associam graças ao discurso, e as palavras são cunhadas pelo vulgo. E as palavras, impostas de maneira imprópria e inepta, bloqueiam espantosamente o intelecto. (...) E os homens são, assim, arrastados a inúmeras e inúteis controvérsias e fantasias”.
        Os ídolos do teatro são os "ídolos que imigraram para o espírito dos homens por meio das diversas doutrinas filosóficas e também pelas regras viciosas da demonstração. (...) Ademais, não pensamos apenas nos sistemas filosóficos, na sua universalidade, mas também nos numerosos princípios e axiomas das ciências que entraram em vigor, mercê da tradição, da credulidade e da negligência".
        Francis Bacon desenvolve um estudo pormenorizado da indução a partir do caráter estéril do silogismo e insiste na necessidade da experiência e da investigação segundo métodos precisos. Suas falhas estão em não ter construído um sistema completo, e seus exemplos de indução são menos exatos que método indutivo-dedutivo de Galileu. Além disso, a física de Bacon permanece nas qualidades corporais, não recorrendo à matemática, mérito que coube também, e, sobretudo, a Galileu.

( Texto adaptado de Filosofando. M. L. Aranha e Fundamentos de Filosofia. G. Coltrim).



[1] Prometeico: relativo a Prometeu figura da mitologia grega que roubou o fogo dos deuses para dá-lo aos homens. Simboliza o advento da técnica.
[2] BACON, Francis. Novum Organum. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 27-29. (Col. Os pensadores).

Texto complementar:


I.    Nosso método, contudo, é tão fácil de ser apresentado quanto difícil de se aplicar. Consiste no estabelecer os graus de certeza, determinar o alcance exato dos sentidos e rejeitar, na maior parte dos casos, o labor da mente, calcado muito de perto sobre aqueles, abrindo e promovendo, assim, a nova e certa via da mente, que, de resto, provém das próprias percepções sensíveis.
II.    A melhor demonstração é, de longe, a experiência, desde que se atenha rigorosamente ao experimento.
(Texto de Francis Bacon, Novurn Organum. São Paulo: Abril Cultural, 1973, pp. 11, 44. Col. Os pensadores)

Empirismo


        A palavra empirismo vem do grego empeíria, que significa "experiência". O empirismo, ao contrário do racionalismo, enfatiza o papel da experiência sensível no processo do conhecimento.
Em reação ao racionalismo cartesiano, principalmente à teoria das idéias inatas, John Locke escreve, em 1690, o Ensaio sobre o entendimento humano, no qual defende que todas as idéias têm origem na experiência sensível. É a partir dos dados da experiência que, por abstração, o entendimento, ou intelecto, produz idéias. A razão humana é vista como uma folha em branco sobre a qual os objetos vão deixar sua impressão sensível que será elaborada, através de certos procedimentos mentais, em idéias particulares e idéias gerais. Entretanto, o mecanismo íntimo do real ultrapassa os limites de toda experiência possível, isto é, podemos observar os fenômenos, mas não suas causas ou suas relações.
Para Locke, todas as nossas idéias provêm de duas fontes: a sensação e a reflexão, A sensação apreende impressões vindas do mundo externo. A reflexão é o ato pelo qual o espírito conhece suas próprias operações.
As idéias podem ser simples e complexas. As idéias simples são aquelas que se impõem à consciência na experiência sensível e são irredutíveis à análise. Ao correlacionar idéias simples, o espírito constitui as idéias complexas.
David Hume, filósofo escocês, leva mais adiante o empirismo de Locke, afirmando que as relações são exteriores aos seus termos. Explicando, as relações não são observáveis, portanto não estão nos objetos. Elas são modos que a natureza humana tem de passar de um termo a outro, de uma idéia particular a outra. E esses modos são fruto do hábito ou da crença.
Por exemplo, tendo observado a água ferver a 100 graus, podemos dizer que toda água sempre ferve a 100 graus. Ou, vendo o sol nascer todos os dias, assumimos que amanhã também nascerá. O que observamos, no entanto, é uma seqüência de eventos, sem nexo causai. O que nos faz ultrapassar o dado e afirmar mais do que pode ser alcançado pela experiência é o hábito criado através da observação de casos semelhantes, a partir do que imaginamos que este caso se comporte da mesma forma que os outros.
Assim, a única base para as idéias ditas gerais é a crença, que, do ponto de vista do entendimento, faz uma extensão ilegítima do conceito. 

Próxima Aula- Filosofia Social

Dia 08 de Fevereiro - 19h

Tema: Empirismo (Locke e Hume)

Leituras recomendadas: Racionalismo, Empirismo, Francis Bacon, John Locke e David Hume.

Filosofia Social - 01 de Fevereiro

Temas: Breve reflexão sobre o Racionalismo -  Introdução ao empirismo

Principais Argumento: Com as mudanças surgidas com o Renascimento, inicia-se uma nova abordagem acerca do conhecimento, em especial, se questiona quais os métodos que podemos utilizar para garantir a veracidade de nosso conhecimento. Duas correntes filosóficas diametralmente opostas se propõe a pensar essas questões, a saber, o racionalismo e o empirismo.

Questões abordadas:

Renascimento;
Racionalismo;
René Descartes;

A questão do método;
Francis Bacon;
Empirismo

Recursos utilizados: Data-show, notebook (power point), texto-base.

Racionalismo

O principal representante do racionalismo no século XVII é o francês René Descartes, que, descontente com os erros e ilusões dos sentidos, procura o fundamento do verdadeiro conhecimento.
 Assim, estabelece a dúvida como método de pensamento rigoroso. Duvida de tudo que lhe chega através dos sentidos, duvida de todas as ideias que se apresentam como verdadeiras. À medida que duvida, porém, descobre que mantém a capacidade de pensar. Por essa via, estabelece a primeira verdade que não pode ser colocada em dúvida: se duvido, penso, se penso, existo, embora esse existir não seja físico. Existo enquanto ser pensante (sujeito ou consciência) que é capaz de duvidar. Formula esta descoberta em uma frase muito conhecida: Penso, logo existo. A partir dessa primeira verdade intuída, isto é, concebida "por um espírito puro e atento, tão fácil e distinta, que nenhuma dúvida resta sobre o que compreendemos", Descartes diferencia dois tipos de idéias: algumas claras e distintas, outras confusas e duvidosas. Propõe, então, que as idéias claras e distintas, que são idéias gerais, não derivam do particular, mas já se encontram no espírito, como instrumentos com que Deus nos dotou para fundamentar a apreensão de outras verdades. Essas são as idéias inatas, que não estão sujeitas a erro e que são o fundamento de toda ciência. Para conhecê-las basta que nos voltemos para nós mesmos, através da reflexão.
Dentre as idéias inatas, encontramos as de um Deus Perfeito e Infinito (substância infinita), da substância pensante e da matéria extensa. O ponto de partida de Descartes é, pois, o pensamento, abstraindo toda e qualquer relação entre este e a realidade. Como passar, porém, do pensamento para a substância extensa, ou seja, a matéria dos corpos?
Exatamente porque pensamos, podemos pensar a ideia de infinito, ou seja, de Deus, com todos os seus atributos, dentre os quais está a perfeição. Ora, para ser perfeito, Deus deve existir. Da ideia de Deus, passamos a poder afirmar sua existência enquanto ser. Continuando o raciocínio, esse ser perfeito não nos engana e, se nos faz ter ideias sobre o mundo exterior, inclusive sobre nossos corpos, é porque criou esse mesmo mundo exterior e sensível. Assim, a partir de uma ideia inata, podemos deduzir a ideia da existência da matéria dos corpos, ou seja, da substância extensa.
Devemos notar, entretanto, que a razão não afeta nem é afetada pelos objetos. A razão só lida com as representações, isto é, com as imagens mentais, idéias ou conceitos que correspondem aos objetos exteriores. É neste ponto que se coloca, com maior nitidez, a necessidade do método para garantir que a representação corresponda ao objeto representado. O método deve garantir que:
• as coisas sejam representadas corretamente, sem risco de erro;
• haja controle de todas as etapas das operações intelectuais;
• haja possibilidade de serem feitas deduções que levem ao progresso do conhecimento.
Assim, a questão do método de pensamento toma-se crucial para o conhecimento filosófico a partir do século XVII. O modelo é o ideal matemático, não porque lide com números ou grandezas matemáticas, mas porque, fiel ao sentido grego de ta mathema, visa o conhecimento completo, perfeito e inteiramente racional.

Fonte: Temas de Filosofia. Maria Lucia Aranha