segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Introdução a Filosofia Política





O QUE É POLÍTICA

Na vida diária, as pessoas se referem à política como a ação do Estado e da organização institucional. Assim, o termo é utilizado para descrever a atividade parlamentar de um determinado político eleito, a ação dos partidos políticos por ocasião de campanhas eleitorais ou, ainda, para se referir ao ato de votar e escolher representantes que exercerão mandato e decidirão em nome dos eleitores. A política apresenta-se como arte de governar.
Também se emprega o termo para expressar a multiplicidade de situações em que a política se manifesta: política económica, política sindical, política das igrejas. Nesse sentido, entende-se a política como a atuação de instituições ou de segmentos da sociedade civil com a finalidade de alcançar determinados objetivos.
No entanto, ao contrário do que possa parecer, a política não diz respeito apenas aos políticos, mas a todos os cidadãos. Se considerarmos que a palavra política origina-se do grego polis (que significa "cidade") podemos compreender a sua amplitude. A polis caracterizava-se como uma unidade de vida social e política autônoma, da qual os cidadãos gregos participavam ativamente, decidindo sobre os destinos da cidade.


Política e Poder

O PODER: Para que a sociedade funcione, é necessário que os indivíduos se submetam a regulamentos, acatem valores e se conformem a uma determinada situação. As normas, leis, disciplinas às quais precisamos nos submeter para conviver na sociedade implicam relações de poder.
O poder, portanto, não se limita à organização do Estado, mas está presente em todas as relações sociais. Assim, na família, somos geralmente orientados pela afetividade e pela autoridade dos pais; na escola, pela dedicação e pela autoridade dos professores, que ensinam e decidem sobre o nosso saber por meio de avaliações; no trabalho, os empregados se submetem a disciplina, horários e técnicas para manter ou aumentar a produtividade na sua unidade de trabalho; no hospital, os médicos decidem sobre o que é melhor para a nossa saúde; no trânsito, precisamos respeitar os sinais convencionais, para garantir a nossa vida e a dos outros; nas igrejas, os padres e pastores orientam a vida dos fiéis; no mercado, precisamos de dinheiro para comprar o que desejamos. Enfim, todas as situações que vivemos envolvem relações de poder que engendram e mantêm a ordem social.
O poder consiste num conjunto de relações de força que indivíduos ou grupos sociais estabelecem entre si a partir de sua situação na sociedade. Quando falamos em "força", pensamos imediatamente na violência física, na imposição de uma vontade, no constrangimento. Mas nem sempre é assim. Aqui nos referimos à força como a capacidade de estimular ou inibir ações, não pela coerção ostensiva, mas sim pelo lento processo de formação de nosso comportamento e da assimilação de valores ao longo da vida. Nossos pais, nossos, professores e pessoas que amamos no influenciam e orientam por meio dos vínculos afetivos que mantemos com eles. Trata-se de uma forma sutil de coerção e, por isso, mais eficaz e duradoura. Essa força consiste na autoridade e disciplina a que somos submetidos na família, na escola, nas igrejas, na sociedade em geral.
As relações de poder estabelecidas em nosso cotidiano fazem parte do contexto amplo da organização social e política moderna, em que a acumulação e a concentração de riquezas, que são a base da produção capitalista, geram relações sociais e políticas desiguais e excludentes. A vida organiza-se conforme uma hierarquia social em que alguns indivíduos ou grupos sociais estão em posição superior e podem influir na vida e na atividade de outros indivíduos ou grupos sociais em posição inferior. Enfim, há grupos que dominam, ordenam, dirigem, e outros que são dominados, obedientes, dirigidos. Nesse contexto, poder significa dominação exercida pelo Estado e que se estende à todas as relações sociais.


A POLÍTICA E O COTIDIANO

Se a política faz parte de nossa vida, estando presente em todas as relações sociais, por que essa forma de vivência não é consciente em nosso cotidiano? Por que a participação política do indivíduo é tão limitada?
Podemos entender, em parte, essas questões, ao considerar as condições modernas da política. Em geral, a forma de governo dos Estados modernos é a democracia representativa, caracterizada pela constituição de poderes autônomos entre si (Executivo, Legislativo e Judiciário), organizados com base na ordem jurídica instituída (Constituição, leis, etc.), pela existência do voto secreto e universal e pela ação dos partidos políticos, que expressam a diversidade de pontos de vista sociais.
Nesse contexto, a participação política dos indivíduos parece limitar- se à escolha dos representantes para os cargos eletivos entre os candidatos de vários partidos. A ação política parece concentrar-se no Estado, na estrutura institucional e na atividade dos políticos eleitos pela sociedade. Estes quer o enunciem claramente ou não, representam os interesses de grupos sociais: há políticos que se empenham na defesa dos direitos civis, na ampliação dos espaços de participação política e no respeito à coisa pública, agindo com dedicação e transparência. Mas há também políticos que se dedicam aos favorecimentos, confundindo o espaço público com o privado, ao utilizar-se do poder que lhes foi delegado para beneficiar grupos particulares.
Os indivíduos, membros da sociedade civil, têm sua vida afetada por decisões políticas tomadas pelo poder institucional, que elabora as leis que regulam a sociedade. Daí a importância de conhecermos o processo político e dele participarmos, pois todas as decisões de nossos representantes no Parlamento nos atingem direta ou indiretamente.
Vejamos alguns exemplos de como as decisões políticas nos afetam de modo direto ou indireto: as relações de trabalho são regulamentadas por uma legislação elaborada e sancionada por nossos representantes políticos;nela se estabelecem os direitos e deveres do empregador e do empregado.
Nosso acesso aos benefícios sociais, como saúde e educação, também é prescrito por leis e ações advindas do Congresso Nacional. Se nos dispomos a reivindicar nossos direitos por meio de uma greve, podemos sofrer repressão policial. Em momentos de crise econômica e recessão, muitos trabalhadores perdem seus empregos e procuram sobreviver como vendedores, lavadores de carros e outras formas de subemprego; seus filhos precisam abandonar a escola para auxiliar no orçamento da família e acabam vendendo objetos nos semáforos.
Se observarmos um pouco mais a realidade brasileira, veremos que ocorre uma intensa concentração de renda nas mãos de uma pequena parcela da população, enquanto uma multidão se encontra nos limites da miséria. Há falta de escolas públicas, hospitais e moradias. Muitos camponeses lutam por uma distribuição equitativa da terra, que lhes dê condições de viver de seu trabalho com dignidade. As mulheres ainda são discriminadas profissionalmente. Presos comuns são massacrados em penitenciárias. Existem problemas de saneamento urbano, transporte, poluição. Enfim, a lista parece infindável.
Todos esses problemas nos dizem respeito e somos responsáveis por eles, pois participamos da vida da sociedade e dos conflitos que nela ocorrem. Muitas vezes, porém, não temos consciência disso, não percebemos como nossas escolhas individuais podem contribuir para consolidar uma situação instituída ou para esclarecer as contradições sociais. Nossa visão de mundo fragmentada reflete os valores de um sistema econômico que se alimenta da exploração do trabalho e funciona com base na troca, mercado, dinheiro, lucro. Esses valores se manifestam em relações sociais em que prevalecem a competição, a concorrência e a hostilidade entre os indivíduos.
Na sociedade civil, os meios de comunicação de massa, a escola, as igrejas, as empresas e a família veiculam uma interpretação parcial da realidade, em que o individuo, isolado, é responsabilizado pela situação em que se encontra, como se ela dependesse apenas de sua vontade, de suas características individuais (esforço, preguiça, perseverança, etc.) As explicações não se baseiam nas desigualdades sociais e políticas sociais que caracterizam a estrutura social.


A INDIFERENÇA POLÍTICA

O desinteresse da maioria dos indivíduos pelos assuntos públicos é um dos grandes problemas políticos a enfrentar nas sociedades modernas. Além dos que não participam por desconhecer o seu papel no processo político, há os indiferentes conscientes, os que compreendem a situação mas não tomam partido, encarando a vida política com ceticismo. Em ambos os casos, a indiferença e a consequente passividade desempenham um papel desagregador na política. Os indivíduos cuidam de suas atividades pessoais e deixam as decisões políticas nas mãos de pequenos grupos que, movidos por ambições e paixões particulares, traçam os destinos de um povo.
Da indiferença dos indivíduos podem nascer as políticas autoritárias, a corrupção e demais formas de desmandos. A falta de transparência na política, a concentração do poder nas mãos de profissionais da política, bem como ausência de controle e de cobrança da sua atuação, ocorrem, em grande parte, porque muitos se omitem, tornam-se apáticos, renunciam à possibilidade de criar alternativas de intervir na política. Quando os males acontecem, os indiferentes eximem-se da responsabilidade, porque não participaram ativamente da construção dos fatos. Esquecem-se de que a ausência e a omissão também são formas de participação.

A CIDADANIA

Na sociedade moderna, nascida das transformações que culminaram na Revolução Francesa, o indivíduo é visto como homem (pessoa privada) e como cidadão (pessoa pública). O termo cidadão designava originalmente o habitante da cidade. Com a consolidação da sociedade burguesa, passa a indicar a ação política e a participação do sujeito na vida da sociedade.
Cidadão é o indivíduo que possuem direitos e deveres para com a coletividade da qual participa — existem interesses comuns que o cidadão precisa respeitar e defender por meio da atuação na vida pública. A desigualdade social não permite a efetivação das liberdades constitutivas da sociedade civil, entre elas a liberdade política de participação nos assuntos públicos, que não se realiza para todos os membros da sociedade. Nesse sentido, a República brasileira, em mais de um século de existência, ainda não conseguiu realizar uma política democrática. Os princípios básicos das democracias modernas, como o direito de todos os indivíduos à liberdade de pensamento, associação, credo, locomoção, manifestação da opinião por intermédio da imprensa e da propaganda, são garantidos por lei. Tais princípios, são a base necessária para a participarão do cidadão na sociedade capitalista. Porém, o acesso a esses mecanismos é restrito.
Vejamos um exemplo: o domicílio de qualquer cidadão é inviolável e o direito à proteção é garantido por lei. No entanto, é frequente vermos na televisão os barracos das favelas serem invadidos pela polícia sem qualquer consideração. Tais ações demonstram como os favelados, relegados a uma situação de pobreza, são alvos de arbitrariedades em nome do Estado, sofrem discriminação social e, na prática, se vêem destituídos de sua cidadania.
O desemprego, a miséria, o analfabetismo, as diversas formas de violência que afetam a vida de grande parte da população brasileira impedem o exercício efetivo da cidadania. A discriminação se amplia quando se trata de enfrentar nossas diferenças raciais e culturais: mesmo constituindo parcela relevante da população, são poucos os negros que frequentam as universidades ou exercem funções empresariais e administrativas. Os índios, com suas tradições e riquezas culturais, têm sido dramaticamente discriminados e dizimados ao longo de nossa história. Enfrentar o grande desafio de assegurar e ampliar o exercício da cidadania em nosso país implica questionar o caráter excludente de nosso modelo económico e, ao mesmo tempo, efetivar e aprimorar a democracia. Necessitamos de uma política democrática que viabilize mudanças econômicas para resolver os nossos graves problemas sociais, reconhecer e defender os direitos de todos os cidadãos e garantir o pluralismo e os direitos das minorias. É preciso criar espaços de manifetação na sociedade civil. onde os interesses comuns possam ser defendidos e os indivíduos possam tomar consciência do papel que desempenham na sociedade.


 PARTICIPAÇÃO POLÍTICA


O caminho para discutir e propor uma nova direção à sociedade passa pela vida de cada um de nós, pela nossa participação na organização de movimentos sociais que defendam com afinco direitos da comunidade. Existe um grande número desses movimentos reivindicatórios, como movimentos estudantis, comunidades de base, movimentos de luta pela moradia, movimentos de luta contra o desemprego, movimentos dos sem-terra. Todos têm um significado político, pois defendem interesses coletivos que implicam mudanças sociais efetivas.
Esses movimentos, nascidos da necessidade de resolver problemas cotidianos não enfrentados pelas instituições públicas responsáveis, são de vital importância para a conquista da cidadania. Organizados a partir da vontade e determinação de indivíduos e grupos sociais em defesa de seus direitos, rompem os limites estreitos oferecidos pelo Estado à participação do cidadão e redefinem a política, mostrando-a como atividade dinâmica de ação efetiva. Da discussão de problemas imediatos, esses movimentos avançam para a compreensão do conjunto de relações em que certo problema está inserido, descobrem sua capacidade de inventar e criar soluções e, muitas vezes, percebem a necessidade de transformações radicais. À medida que se organizam internamente, esses grupos constroem a vida coletiva, a comunidade, e conseguem externar sua força de reivindicação.
As possibilidades de mudanças são maiores quando a sociedade civil se organiza e participa ativamente da política. Nesse processo, os indivíduos se renovam, amadurecem e compreendem que a cidadania que se conquista é limitada; é a cidadania possível dentro dos limites de uma sociedade dividida.

(Textos de CORDI, CASSIANO. Para Filosofar. São Paulo, Scipione, 1997.).

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